Para grande parte dos brasileiros , cerca de 120 milhões de pessoas que estão hoje acima do peso, de acordo com pesquisa de 2010 realizada pelo Vigitel, sistema de pesquisa do Ministério da Saúde, se pergunta: o que fazem estas pessoas para emagrecer?
A resposta é: tomam remédios para emagrecer.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tenta controlar o consumo desenfreado. Em 2009, foram vendidas cerca de dez toneladas dessas substâncias, segundo dados do próprio órgão, que recentemente proibiu a venda de três medicamentos derivados da anfetamina e criou uma nova regulamentação, mais rígida, para o uso da sibutramina.
Esta postura da Anvisa assim como o uso e abuso dos anorexígenos vou escrever e comentar em outros posts, por considerar tema de suma importância na endocrinologia e na saúde pública.
Neste post em particular, detenho-me no Victoza, remédio injetável empregado no tratamento de diabetes do tipo 2, cujo princípio ativo, a liraglutida, ajuda a regular a produção dos hormônios insulina e glucagon. O medicamento ganhou as páginas da mídia depois que, nos estudos com diabéticos, observou-se que os pacientes que usavam a droga para compensar a falta de insulina também perdiam peso e passou a ser comercializado para emagrecer.
Em 2011, passou-se, então, a se prescrever o Victoza com fins terapêuticos de emagrecimento, apesar de o remédio ainda estar em fase de testes e não ser aprovado pela Anvisa (e por nenhum outro órgão regulador mundial) como emagrecedor.
1.Qual é a ação do Victoza?
O princípio ativo, a liraglutida, imita o hormônio GLP-1,produzido no intestino, responsável pela sensação de saciedade e pela regulação metabólica – sabe-se que diabéticos e obesos produzem pouco GLP-1.
A liraglutida circula no organismo por mais tempo e em quantidade maior que o GLP-1.
O liraglutide, substância presente no Victoza, age no organismo da mesma forma que um hormônio chamado glucagon-like peptídeo (GLP-1), naturalmente produzido pelo corpo de pessoas saudáveis. Essa substância estimula as células beta do pâncreas a produzirem insulina e balancear o índice glicêmico. Nas pessoas com diabetes, a produção de insulina é deficiente.
Seguindo o raciocínio, quanto mais elevado for o volume de glicose circulando no sangue, maior o estímulo à produção de insulina, controlando o diabetes. O Victoza também age no sentido inverso, ou seja, diminuindo os índices de glicose no sangue – em vez de aumentar a produção de insulina. Esta última função é a exata correspondente do liraglutide no organismo e, até agora, a única finalidade do medicamento com eficácia comprovada em pesquisas .
A ação do Victoza para o emagrecimento se deve ao fato que age no sistema nervoso central, estimulando o neurônio responsável pela nossa sensação de saciedade, além de ainda interferir no funcionamento do trato digestivo, reduzindo o esvaziamento gástrico.Com isso, as pessoas sentem menos fome e acabam perdendo peso. O estômago permanece cheio por mais tempo.
2.Os efeitos colaterais e a segurança no uso
Estudos clínicos realizados mostram hipoglicemia, dores de cabeça, náuseas e diarreia como os principais efeitos colaterais previstos. Mais raros, pancreatite, desidratação e alteração da função renal e da tireóide, incluindo o aumento da glândula, que podem acontecer. Vários casos de câncer de tireóide em roedores (ratos de laboratório).
Todos estes efeitos são, dose dependentes, ou seja, quanto maior a dose do remédio consumida, maior a intensidade e a combinação de efeitos colaterais possíveis. Não são conhecidas as conseqüências do uso a longo prazo, pois faltam estudos prospectivos para o mesmo.Portanto, usar o Victoza para o tratamento da obesidade é assumir riscos desconhecidos até pelo fabricante. E isso deve ser esclarecido aos pacientes no momento da prescrição.
Isso porque ainda não existem estudos mostrando a ação da droga em pacientes que não têm suas taxas elevadas de glicose no sangue, como acontece com pacientes diabéticos.
Outra questão em debate, é a dosagem: a ingestão de liraglutide (princípio ativo do medicamento) indicada para o emagrecimento é quase o dobro da sugerida para o controle do diabetes. “Ninguém analisou os riscos do medicamento nesta dosagem e, menos ainda, em obesos não diabéticos”, afirma a endocrinologista Rosana Radominski, presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (ABESO).
Uma grande preocupação nossa enquanto endocrinologistas em nosso consultório, é minorar a sensação de fome que os nossos clientes se queixam.
Como o Victoza prolonga a saciedade, poderia ela ajudar na reeducação dos hábitos alimentares?
Outra diferença entre o hormônio produzido pelo organismo e o seu primo artificial está na duração do efeito: enquanto o Victoza tem ação prolongada por até 24 horas, o GLP-1 (liraglutide) age durante três minutos. Daí a sensação de saciedade que os pacientes sentem e estão comemorando, apesar dos efeitos colaterais relatados – náuseas, vômitos, diarreia e cefaleia. Os efeitos a longo prazo ainda não foram identificados em pesquisa, tampouco foram analisados os riscos relacionados ao uso do medicamento por pessoas que não sofrem de diabetes. As descobertas obtidas na prática clínica, no entanto, andam nos questionando como profissionais que buscamos respostas e tratamento eficazes e seguros para nossos clientes.
Um estudo que está sendo desenvolvido , previsto para ser finalizado em um ano, capaz de provar se o medicamento realmente pode ser usado contra obesidade sem riscos de efeitos colaterais graves.Uma avaliação preliminar, feita com cerca de 6.500 pessoas de diferentes países, mostrou que a prescrição do medicamento, aliada à reeducação alimentar, provoca a perda média de 7kg em cinco meses. A terceira fase do estudo, em andamento no Brasil e em mais 26 países, tem participantes obesos com pressão alta, dislipidemia (excesso de gordura no sangue) e pré-diabetes. Dos resultados observados, vão sair as orientações para a prescrição segura e eventual autorização para venda em casos de obesidade sem complicações associadas.
O Victoza não está aprovado para uso em diabetes tipo 1, ou seja aqueles que necessitam do uso de insulina, sendo indicado apenas para diabetes tipo 2.
Até o momento , o que podemos dizer com certeza e baseado nas evidências sobre o Victoza é que os estudos mostram que pessoas com diabetes que começaram a tomar o Victoza perderam uma média de 7kg em cinco meses. E que , a mudança de hábitos alimentares, e de estilo de vida, vai muito além de uma injeção de Victoza, sendo necessário empenho, vontade e esforço de cada um para mudar.
Prof.Dra.Lizanka Marinheiro
Chefe do Setor de Endocrinologia do Instituto Fernandes Figueira – FIOCRUZ