O aborto espontâneo recorrente (ou perda de gravidez recorrente) inclui todas as perdas gestacionais espontâneas ocorridas desde o momento da concepção até 24 semanas completas de gestação. Mulheres com o histórico de duas ou mais perdas gestacionais, consecutivas ou não, parecem ter um risco maior de doença arterial coronariana. É verdade que tanto as doenças cardiovasculares quanto a perda de gravidez recorrente compartilham os mesmos fatores de risco como tabagismo, obesidade e ingestão de álcool, além disso, a disfunção endotelial pode ser o elo subjacente entre a perda de gravidez recorrente, pré-eclâmpsia (definida como hipertensão persistente que se desenvolve após 20 semanas de gravidez ou durante o período pós-parto), restrição de crescimento intrauterino e eventos cardiovasculares futuros. Contudo, a maioria dos estudos não demonstra relação entre perda de gravidez recorrente e acidente vascular cerebral.
Por outro lado, o parto prematuro, que é definido como o parto que ocorre antes de se completarem 37 semanas de gestação, é indicado clinicamente em cerca de 30–35% dos casos devido à pré-eclâmpsia e à restrição de crescimento fetal. O parto prematuro vem sendo apontado como fator preditivo independente para doenças cardiovasculares, mulheres com histórico de parto prematuro parecem ter duas vezes mais risco de apresentar alguma doença cardiovascular futuramente. Os distúrbios hipertensivos da gravidez, que afetam 5–10% das gestações em todo o mundo, também estão associados com o aumento de risco de doença cardiovascular.
Os distúrbios hipertensivos incluem hipertensão preexistente (crônica), diagnosticada antes da gravidez ou antes de 20 semanas de gestação, e desenvolvimento de hipertensão gestacional, após 20 semanas de gravidez. A hipertensão pré-existente está associada a um risco aumentado de desenvolver pré-eclâmpsia, que pode complicar até 25% dos casos. A pré-eclâmpsia está associada a um risco 4 vezes maior de insuficiência cardíaca e hipertensão e um risco 2 vezes maior de coagulação intravascular disseminada, acidente vascular cerebral e mortes cardiovasculares.
O diabetes mellitus gestacional, definido como o primeiro episódio de desenvolvimento de intolerância à glicose durante a gravidez, ocorre em cerca de 7% das gestações, e está associado a um risco duplo de eventos futuros de doenças cardiovasculares, com o risco sendo aparente em até dez anos após a gravidez. Também está associado ao aumento do risco de desenvolver diabetes tipo 2 além hipertensão sustentada.
A idade materna durante a gravidez também está associada ao risco de doença arterial coronariana durante a gravidez, estável ou instável. Todos esses fatores demonstram a necessidade de se conhecer detalhadamente a histórico familiar, quanto às doenças cardiovasculares, como também, o histórico de gravidez para uma melhor avaliação do risco cardiovascular em mulheres. Assim como, o controle regular da pressão arterial além de acompanhamento laboratorial é necessário, pelo menos nos primeiros meses de pós-parto.
Lizanka Marinheiro – Endocrinologia
Instituto Fernandes Figueira – FIOCRUZ
Fonte:
Maas AHEM, Rosano G, Cifkova R, Chieffo A, van Dijken D, Hamoda H, Kunadian V, Laan E, Lambrinoudaki I, Maclaran K, Panay N, Stevenson JC, van Trotsenburg M, Collins P. Cardiovascular health after menopause transition, pregnancy disorders, and other gynaecologic conditions: a consensus document from European cardiologists, gynaecologists, and endocrinologists. Eur Heart J. 2021 Jan 25:ehaa1044. doi: 10.1093/eurheartj/ehaa1044. Epub ahead of print. PMID: 33495787.