A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), retirou do mercado brasileiro as anfetaminas há 3 anos, proibindo sua fabricação e comercialização. O Senado com apenas 6 votos contra, liberou este mês esta proibição, através do decreto legislativo apresentado pelo deputado Beto Albuquerque (PSB –RS), tendo tido apenas 6 votos contra, para que possam novamente ser consumidos. Também a Sibutramina, outro remédio para o tratamento da obesidade, poderá ser vendida sem tantas restrições, uma vez que para sua aquisição, os usuários tinham que apresentar um termo de responsabilidade assinado pelo médico e pelo paciente.
O retorno dessas medicações, o Femproporex, o Mazindol e a Anfepramona, divide opiniões no meio médico e científico do país.
Quem apoia a proibição, argumenta que os derivados de anfetamina, necessitariam de estudos confiáveis que confirmem sua eficácia e segurança por serem antigos, tipo randomizados e controlados, estudos estes considerados padrão ouro necessários para a chamada “medicina baseada em evidência”. Existiriam riscos de dependência e de surgimento de doenças cardiovasculares e hipertensão pulmonar. Argumenta-se ainda que a perda de peso seria insignificante e temporária, sendo sua eficácia a longo prazo questionada, e na maioria dos casos recuperar-se-ia o peso perdido quando a droga for interrompida. Ainda na opinião de alguns nutricionistas, os pacientes que consomem inibidores de apetite, na sua maioria, não aprenderiam a comer,tendo portanto uma nutrição inadequada.
Já entre os pacientes, há os que são a favor, pelo sucesso obtido com o uso dessas medicações, e os que relataram fortes efeitos colaterais e /ou volta ao peso de antes do tratamento, depois da suspensão da droga. Há pacientes que acham e relatam sucesso apenas com a mudança de estilo de vida, como dieta e exercícios.
Quando da retirada das anfetaminas em 2011, apenas a Sibutramina ficou disponível no mercado brasileiro, mas com várias restrições. Com relação à sibutramina, quem é contra seu uso, advoga que apesar da droga, bem mais moderna do que os anfetamínicos, ter sido estudada por metodologia validada em vários ensaios clínicos controlados, em um deles concluiu que não vale a pena usá-la.
Nesse estudo, o estudo Scout (Sibutramine Cardiovascular Outcome Trial), foram acompanhados cerca de dez mil pacientes por cinco anos. As perdas de peso registradas foram pequenas, e a pesquisa mostrou haver risco mais elevado de infarto e acidente vascular cerebral entre obesos que utilizavam o remédio do que entre os que não o utilizavam. A Sociedade Brasileira de Endocrinologia, SBEM, apontou várias falhas metodológicas no mesmo, sendo um dos principais a existencia de doenças cardio-vasculares prévias na população estudada.
Por outro lado há quem se posicione a favor da liberação como vários especialistas endocrinologistas tendo inclusive estudado e compilado inúmeros estudos, consolidando desta forma um documento assinado oficialmente pela Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso) e pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, (Sbem). Vale a pena ressaltar, que na época da proibição, essas entidades não foram ouvidas.
As anfetaminas
Um dos maiores e experientes pesquisadores na avaliação do desempenho de drogas contra obesidade, muitas testadas no serviço de obesidade que dirige na USP, Alfredo Halpern, defende seu uso, mostrando que há trabalhos suficientes mostrando seus benefícios quando bem indicadas e ministradas na dose certa. Há obesos que só respondem aos derivados de anfetamina, conhecidos por proporcionar perda de peso rapidamente.
A ANVISA relata com o uso de anfetaminas, reações indesejáveis como euforia, delírios ou surtos de esquizofrenia paranoide, mas estas são vistas apenas em pessoas com histórico de doença psiquiátrica ou de abuso de substâncias, na opinião do Halpern e de vários endocrinologistas.
Um problema não só das anfetaminas, mas como com qualquer outra droga controlada, como por exemplo, benzodiazepínicos, antibióticos e anti-depressivos, são os exageros na dose e a má precrição, muitas vêzes feita de forma errada por colegas e aviadas magistralmente, o que sem dúvida contribuiu para sua retirada. Isto não vem a ser um problema do pricípio ativo e sim de uma falta de fiscalização rigorosa, e/oud a má prática da medicina, e de algumas farmácias magistrias não regulamentadas.
Sabemos que a obesidade é uma doença crônica. E para algumas pessoas o controle alimentar é muito difícil sem medicamentos . Achamos que tem que haver controle e rigor sim, mas certas restrições que tirem a soberania do ato médico, precisam diminuir, se é que este tipo de prática deva ser tolerada!
A ABESO e SBEM, entendem que ainda existe uma, compreensão desatualizada e limitada, (inclusive por parte da ANVISA), das características e consequências da doença que hoje no mundo é um problema de saúde pública: a obesidade. Não existe drogas para tratar o problema na rede pública, não havendo nenhum remédio aprovado com essa finalidade para quem é atendido no SUS. A ANVISA acredita que somente a mudança na alimentação e atividade física já são suficientes.
No Brasil, metade da população está acima do peso e os que já atingiram a classificação de obesos somam 30 milhões de pessoas. Isso é uma problema grave, pois sabe-se que o excesso de peso é fator determinanate da alta incidência de doenças como a diabetes tipo 2, de infartos e de acidentes vasculares cerebrais.
Pessoalmente, vejo os medicamentos para o tratamento da obesidade, em alguns casos quando bem indicados e prescritos individualmente para cada paciente, importante ferramenta, que aliados a mudança de estilo de vida, com reeducação alimentar e prática diária de exercícios físicos, e muitas vêzes apoio psicológico, fundamentais para o sucesso do tratamento! Sabemos nesses anos de prática clínica, que há pacientes que não emagrecem sem remédio, outros em que métodos até mais radicais como a cirurgia bariátrica são indicados.
Talvez em um ano eleitoral, pode ter havido a pressão e o interesse da indústria farmacêutica e das farmácias magistrais no mercado dos medicamentos anti-obesidade, para a volta deste medicamentos, mas destacamos que, quando a ANVISA retirou estes medicamentos em 2011, não ouviu especialistas, nem as sociedades representativas como SBEM e ABESO. Quem pressionou então, quando sabemos que este orgão regulamenta, desde salões de beleza à medicamentos.
Situação no mundo
Em outras partes do mundo, a oferta de anfetamínicos e da sibutramina é diferente do Brasil. Nos Estados Unidos, é permitida a venda de derivados de anfetaminas como a anfepramona e a fentermina. Eles são aprovados para serem usados para perda de peso rápida, em poucas semanas. Em 2011, inclusive, a fentermina foi o remédio mais prescrito para emagrecimento naquele país, segundo a Food and Drug Administration (FDA), a agência americana responsável pela liberação de remédios. Já a Sibutramina foi retirada do mercado pelo fabricante, o laboratório Abott, após recomendação do FDA. Na Europa, a situação em relação aos anfetamínicos é um pouco diferente. A European Medicines Agency tentou retirá-los do mercado com a fundamentação de “falta de eficácia”, mas a tentativa foi frustrada. Em relação à Sibutramina, a Abott decidiu tirar o remédio de todo o mercado mundial. Hoje, em lugares como o Brasil, a substância é encontrada em drogas genéricas ou em medicações manipuladas.
O que mais se pesquisa hoje em dia é uma dorga anti-obesidade que tenha poucos efeitos colaterais. No momento, faz-se o uso off label ( fora do rótulo) de drogas usadas para outros fins que atualmente estão sendo usadas no tratamento da obesidade, como por exemplo, o topiramato, aprovado contra enxaqueca e compulsão, mas que ajuda a conter o impulso de comer em muitos obesos. A mesma situação ocorre com alguns medicamentos para diabetes de última geração que tornam mais lento o esvaziamento gástrico e agem na sinalização da saciedade enviada ao cérebro, como o Exanetide e a Liraglutida. São, sem dúvida, esforços válidos para tentar conter o avanço de um dos maiores perigos à saúde já conhecidos – a obesidade.
O futuro
Em estudo existem no momento mais de 150 novas drogas, mas ainda não usadas, algumas delas como:
Tesofensina – desenvolvido para Pakinson e Alzheirmer, agem mudando a forma como a serotonina, dopamina e noradrenalina agem no cérebro, levando a redução da fome. Reduz o número de beliscadas entre as refeições . Em recente estudo publicado no Lancet, foi mostrado que esta droga a promove a perda de peso o dobro da sibutramina.
Pranlintide e Metreleptina – a Metreleptina aumenta a sensibilidade da Leptina, hormônio que informa o cérebro sobre o estoque de gordura no corpo. Em obesos, pode haver um desequilíbrio deste hormônio levando a sensação de fome. Já o Pranlintide é um anti-diabético.
Bupropiona SR e Naltrexona SR – (Contrave) – a primeira atua em vários centros cerebrais aumentando a perda calórica e a reduzindo a fome. A Naltrexona age diminuindo o prazer de comer e aumentando o relaxamento.Vários estudos já foram finalizados, porém a medicação aguarda a liberação do FDA.
Bupropiona e Zonizamida – esta última é um anticonvulsivante, e se encontra em fase final de estudo.
O que temos no mercado brasileiro
Orlistat– age no intestino reduzindo a absorção de gorduras ingeridas
Topiramato – uso off label, indicado para quem tem compulsão alimentar; é usado normalmente para enxaqueca, convulsão e compulsão.
Naltrexona – bloqueia os receptores opiáceos reduzindo o prazer de comer, e produzindo relaxamento. Indicados para quem te complusão alimentar e por álcool.
Bupropiona – usado para depressão em quem não responde bem aos inibidores de recaptação de serotonina.Também usada no tratamento anti – tabagismo, age na dopamina e noradrenalina reduzindo o apetite.
Liraglutida e Exanetida – agem a nível intestinal reduzindo o esvaziamento gástrico. São usados no tratamento de diabetes, e para obesos que não toleram os remédios que agem sobre o sistema nervoso central, e para quem tem síndrome metabólica.
Disponíveis do Exterior
Quisymia– associação de topiramato com fentermina, um derivado de anfetamina muito parecido com o Femproprorex; aprovado pelo FDA, provoca irritação, cefaléia e formigamento. Diminui a fome e compulsão alimentar.
Belviq– Locarserina, também aprovado pelo FDA em 2012, muito semelhante a Sibutramina. Age na serotonina estimulando a sensação de saciedade e reduzindo a fome.
Como vimos, pelo que existe e pelo que estar por vir, este é um dos campos da ciência em que mais se investem em pesquisas no mundo, seja em estudos de etiopatogenia, seja no desenvolvimento de novos medicamentos, seja na indútria de alimentos e pesquisas em nutrição, seja em estudos epidemiológicos e populacionais, e ainda em forças tarefa educativas no sentido de prevenção e abordagem multidisciplinar para um melhor sucesso terapêutico. Não dá pra ser reducionista e hipócrita, e dizer que uma doença como a obesidade, não precisa (também), de remédios!
Lizanka Marinheiro
Mestre em Endocrinologia – UFRJ
Doutora em Ciências – FIOCRUZ
- Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/4720315156903644
- Última atualização do currículo em 09/09/2014